segunda-feira, dezembro 05, 2005

Cinema

(Publicado originalmente a 9/7/2003.)

"Mischka", de Jean-François Stévenin. O aspecto mais fascinante deste filme é a maneira como o próprio tempo da acção, idas e vindas, desencontros e vicissitudes servem de matéria prima para a consolidação de laços, num processo brusco e atabalhoado que coloca ao mesmo nível o parentesco, o acaso puro e simples, e uma espécie de fatalismo difuso e benigno, ligeiro como a França estival, entregue aos turistas, ao calor e ao "chassé-croisé" nas autoestradas. A demanda parece ser a razão de ser dos itinerários das personagens, mas o reencontro tão esperado aparece como um momento deliberadamente demasiado frouxo para servir de ponto de inflexão ou desenlace de um fluxo de peripécias que adquiriu solta e humaníssima autonomia, e que tanto poderia cessar ali mesmo, quando a película acaba, como durar mais um par de horas, ou confundir-se com a vida. Tudo isto num ambiente tão copiosamente franco-francês, libertário e "Copains d'abord" que quase se consegue sentir o aroma a Camembert, cidre doux e rillettes.

À sua maneira, e mau grado o meu cepticismo relativamente à expressão, "Mischka" é mesmo um "hino à vida". Tinhas razão, Nuno!

É importante assinalar que Jean-François Stévenin tem feito carreira essencialmente como actor, tendo participado em nada menos de três filmes de Rivette: "Out 1", "Merry-Go-Round" e "Le Pont du Nord".