24 Vezes Por Segundo
(Publicado originalmente a 26/5/2003.)
Os comentários recentes do "Abrupto" sobre cinema francês geraram um mini-debate blogosférico (onde tomaram parte ainda o "De Esquerda" e o "Espada Relativa"). Dizem que se deve malhar no ferro enquanto este está quente; porém, infelizmente, o volume de trabalho tem sido incompatível com a taxa de libertação de calor do ferro, por isso é com algum atraso que volto a abordar este tema que tanto me diz. Algumas notas soltas, tão somente.
1) A origem da reputação de profundidade (com ou sem aspas, para o caso tanto dá) filosófica do cinema francês não é clara, mas tudo indica que emana da geração dos "Cahiers du Cinéma" e da Nouvelle Vague, cujas principais figuras (Truffaut, Rohmer, Godard, Rivette, Doniol-Valcroze, Douchet) possuíam uma apetência muito forte para a teorização da coisa cinematográfica, na esteira da influente personalidade de André Bazin. Esse esforço de teorização, não sendo "filosófico" no sentido estrito do termo, entrava em forte ressonância com a paisagem das ciências humanas francesas da época, e possuía uma profundidade e pujança intelectual absolutamente notáveis. No entanto, não é nada límpido estabelecer um elo entre esta fase da história da crítica cinematográfica e a praxis do cinema nas décadas subsequentes. Pessoalmente, defendo que a influência da Nouvelle Vague no cinema contemporâneo é bem menos importante do que alguns apregoam (quase sempre num propósito depreciativo), e que a propensão filosófica da geração actual de cineastas franceses não é mais nem menos forte do que noutros países. O que existe é a gravidade e a consciência de um cinema que se assume como um fenómeno artístico maior, que encontram eco numa crítica que não perdeu o hábito salutar de pensar o cinema, em lugar de se limitar a opinar sobre as virtudes e defeitos de um filme. É esta sinergia que, possivelmente, continua a alimentar, como uma chama sagrada, a ideia de um cinema francês pesadão, dado à reflexão, melancólico, umbilical, pretensioso.
2) Esses mesmos papas da Nouvelle Vague, envoltos na sua reputação de monges estilitas do cinema, de áridos e savonarolescos inimigos do cinema lúdico e divertido, foram responsáveis por obras plenas de ligeireza e de graça vaporosa: "Tirez sur le Pianiste", "Une Femme Est Une Femme", "Le Rayon Vert", "Va Savoir", "Adieu Philippine" (de Jacques Rozier, uma autêntica pérola), etc... etc...
3) A quase totalidade do cinema artisticamente relevante que se faz fora dos EUA faz-se, nos dias de hoje, com dinheiro francês. Isto não é apenas uma questão meramente comercial; é também uma ideia do cinema em acção.
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