Cinema (1)
(Publicado originalmente a 1/6/2003.)
"Bowling for Columbine", de Michael Moore. Raras vezes terá sucedido que a discussão relativa aos méritos, atributos e pertinência de um filme tenha sido a tal ponto subalternizada em favor de picardias e trocas de galhardetes ideológicas, conjunturais, e também, valha a verdade, francamente nulas. Mesmo a discussão relativa ao real estatuto do filme (documentário ou ficção?) acabou por se esgotar em aspectos superficiais, inevitavelmente associados ao maior ou menor grau de manipulação dos factos e das situações, por parte de Moore. E o cinema no meio disto?Pessoalmente, não tenho dúvidas em qualificar "Bowling for Columbine" como uma ficção. Quando Moore entrevista o irmão do cúmplice do atentado de Oklahoma, a sua atitude perante os risíveis (mas inquietantes) desvarios do seu interlocutor é, a este respeito exemplar. Moore entrega-se (com evidente prazer) ao papel de entrevistador disposto a ser convencido, bonacheirão q.b.; os silêncios são cirurgicamente pesados para isolar, na sua atroz imbecilidade, a torrente de dislates que vão sendo ditos. Moore passeia, ao longo do filme, esta sua figura de "americano médio", e tira partido disso mesmo para inserir numerosas pepitas ficcionais, dotadas de unidade temporal, crescendo e desenlace, e que contribuem para a eficácia persuasiva do filme. Teria sido soberbo que esta interacção (mais subtil do que parece) entre postura documental e prática narrativa tivesse dado azo a debate menos viciado por querelas antigas ou modernas.
Quanto ao César de melhor filme estrangeiro, este foi, no mínimo, despropositado. Uma coisa é concordar com as ideias expressas (consistentes e bem defendidas, mau grado ocasionais laivos de simplismo e demagogia); outra, bem diferente, é transformar essa adesão num plebiscito que se desejaria estritamente baseado em critérios de excelência artística.
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