quarta-feira, novembro 02, 2005

Cinema (3)

(Publicado originalmente a 2/6/2003.)

"Los Lunes al Sol", de Fernando León de Aranoa. A estrutura deste muito conseguido filme espanhol imita a própria situação em que se encontram as personagens, desempregados de longa duração, cujo próprio estatuto de pessoa ameaça sofrer a erosão de um quotidiano onde nada acontece. O evento, a heterogeneidade na passagem do tempo, surge como iguaria rara, e, a esse respeito, é exemplar o estatuto da personagem principal (Javier Bardem, imenso na sua casmurra dignidade): apesar de, graças à sua personalidade, polarizar as existências dos seus colegas de infortúnio, é aos outros que acontecem as coisas (agradáveis ou funestas), exercendo ele o papel de observador, acólito carrancudo, ajudante ineficaz. A urgência da vida, os seus acasos felizes ou não, surgem como espasmos, tímidos e estranhos no seu isolamento; cabe ao cinema enquadrá-los numa dimensão temporal de amarga banalidade. Se a passagem do tempo é um processo áspero, a contemplação, as fantasias sobre a Austrália, as trocas de recriminações acerca de uma multa de 8 mil pesetas, tudo é lícito para diluir a melancolia. Mais precioso do que tudo isto, porém, é o simplicíssimo dom de estar lá. E é essa permanência, na sua vertente física e afectiva, que o cinema nos oferece com uma intensidade que nenhuma outra arte pode igualar.