domingo, setembro 04, 2005

Martin Scorsese, "Gangs of New York"

(Publicado originalmente a 16/4/2003.)

A América Nasceu nas Ruas: assim o proclama a promoção deste filme. Trabalho escusado será procurar, ao longo das duas horas e tal que este dura, argumentos a favor ou contra essa tese. A Rua é o lugar de todos os tumultos, de todas as manobras, de todas as redenções, mas não acolhe um desabrochar de sentimento nacional, de ideia ou consciência de país. A América sucede e emerge, sob a forma de convulsões da história de origem longínqua, sem esperar que o dédalo confuso das ruas de uma cidade lhe sirvam de cadinho, alheia ao feudo, às desrazões e ao sangue vertido em vão (entenda-se: sem contribuir para engordar a seta do tempo).

Mais do que o duvidoso engendrar da nação, "Gangs of New York" revela-nos a genealogia, os pecadilhos originais e a grandeza optimista de um cinema americano refém dos seus próprios códigos e do seu colossal sucesso, que, em vez de lhe dar segurança, o faz recear a novidade como um risco dispensável; um cinema condenado a reencenar constantemente a sua própria mitologia, sob pena de perder a fé em si mesmo. Um novo visionamento de "Life Lessons", esse precioso monumento da arte de fazer muito com pouquíssimo (Nolte e Arquette, pinceladas, Procol Harum, eis tudo), ajuda-nos a compreender que ninguém saiu vencedor da obstinação de Scorsese em levar a cabo este seu projecto. Mas seria isto uma fatalidade, atendendo à felicidade com que, no passado, ele lidou com a grandeza de meios ("New York New York", "Casino")? Mas também é verdade que, quase desde o início, a carreira cinematográfica de Scorsese se desenrolou na órbita desta questão opressiva: que farei sem Robert De Niro? (E reciprocamente.)

2 Comments:

At 9:28 da tarde, Blogger Roberto Iza Valdés said...

Este comentário foi removido por um gestor do blogue.

 
At 4:51 da tarde, Blogger Unknown said...

Este comentário foi removido pelo autor.

 

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