Paul Thomas Anderson, "Punch-Drunk Love"
(Publicado originalmente a 25/4/2003.)
O problema deste filme deixa-se descrever com mais facilidade do que as suas virtudes. E o problema deste filme é um esvaziamento do conflito que chega a parecer constituir a sua razão de ser. A não ser que o seu propósito seja muito específico (fazer rir, dar a conhecer uma situação), um filme implica um, ou mais, conflitos, e o relato ou ilustração das maneiras de o resolver. "Punch-Drunk Love" anuncia-se como um suculento naco de imaginário americano, ao qual não falta o underdog nem essa alienação redimível que tantos enredos tem propulsionado. Precisamente no momento em que os ingredientes parecem reunidos, e ainda por cima em doses não excessivamente canónicas, eis que o conflito é anulado sem estrondo nem fanfarra, à força de piparotes do argumento: o "inadaptado" apaixona-se sem precisar de se esforçar, e, o que é mais, a paixão dá-lhe a força para fazer frente às consequências de um seu pecadilho (sob a forma de quatro irmãos louros e violentos, oriundos do continente profundo). Tudo acaba por ser linear, óbvio, minimalista. Mas existe algo de fundamentalmente reprovável neste virtuosismo da facilidade. Nada tenho contra contos de fadas, desde que se abstenham de lançar pistas que depois são removidas como inócuos adereços: por exemplo, qual a origem das raivas destrutivas da personagem principal? (Claro que a resposta a esta pergunta não teria interesse, não fosse o filme servir-se deste e doutros elementos como alicerces para a sua construção dramática.) O que se aproveita deste filme? Não pouca coisa, a começar pela tónica de burlesco surrealista, admiravelmente servida por Adam Sandler. Se partilhássemos da opinião de que uma grande interpretação compensa um filme duvidoso, estaríamos conversados. Quanto a Emily Watson, para quando um papel digno do talento desta actriz a quem os anos oferecem mais do que retiram ou danificam? Pelo menos assim o pensa a América, que, desta vez, escreveu com tinta verde em vez de tinta violeta, como é seu costume. Lastimo-a, isolada do mundo, algures no Alto Alentejo, e privada das suas canetas preferidas. O tio da América (trocadilho involuntário) é viticultor, e tenciona retê-la até às vindimas.
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